Monday, May 30, 2005

 

Caro Amigo,

Escrevo para falar de nós dois. Escrevo com certa inconstância nas idéias e mesmo nas palavras, pois o que venho lhe dizer não me foi dito, pensado, racionalizado. Foi-me sentido, apenas. Foi-me apaixonado, apenas. Foi-me escorraçado e rasgado de minha alma vermelha e lançado aos rincões de meus olhos-lágrimas, ontem à noite, antes que eu pudesse dormir.

Eu amo você. E o amo com a vergonha de quem ama em cumplicidade absoluta com o silêncio das três da manhã. Eu, arisco ao meu amor, amo você nas madrugadas, nos suspiros distantes de seu ouvido, nas dores por você imperceptíveis de minha’lma-coração. Amo você quando seu corpo é de outros e não meu, ainda que lhe saber de outros maldiga meu destino. Amo você como a prostituta ama o barão. Amo você como quem perdeu as esperanças de ser feliz. E o amo também de modo meu, solitário, desabrigado de razão, abrigado de perdão meu por existir você de peito nu tão próximo de minha boca e tão distante de meus beijos. Amo porque foi por você, sempre, a minha procura. Amo porque meus braços nasceram abertos à espera de seus braços. Eu amo você, pois não tenho orgulho, não nutro alegrias, apenas a melancolia de ser-lhe meu ao amigo, intocável ao amante. Amo mesmo em desespero, em evidências, em frustrações, em psicopatias. Amo você e seu passado a mim exposto em confidências. Amo você e seu futuro que lhe é pensado comigo. Eu amo você.

Escrevo para falar de nós dois. Escrevo com certa inconstância nas idéias e mesmo nas palavras, pois o que venho lhe dizer não me foi dito, pensado, racionalizado. Foi-me sentido, apenas. Foi-me apaixonado, apenas. Foi-me escorraçado e rasgado de minha alma vermelha e lançado aos rincões de meus olhos-lágrimas, ontem à noite, antes que eu pudesse dormir.

Friday, May 20, 2005

 

Caro amigo Passado,

Você passou, eu fiquei. Por vezes sinto-lhe por perto, atravessado em minhas dúvidas, angústias, saudades até. De costume você é distante e fugidio. Não controlo seus repentes, seus caminhos. Passou livre demais de mim. E eu que nem de presente construo racionalmente meu presente, sou vítima de seus rompantes em cada esquina em que me cubro de solidão. Caro amigo, você não presta, embora me dê sempre um sorriso canto de boca ou uma gargalhada rica de amor por tudo. É que entre as horas que perco a lembrar do que você representou, tocou e deixou em minha vida, esqueço tanto, por tanto, mas tanto de mim que você me perde assim, saído de minha’lma vermelha louca do som de suas canções. Você ainda me descobre porque não fui nada sem ter sido em você, não plantei árvore, não escrevi livros, não tive filhos, não homens ou mulheres que não fosse em você. E é porque você domina tudo em mim, menos o que sou, que com veemência sou cada vez mais o que sou, sou insistentemente, afirmativamente, incisivamente, fortemente o que sou. E o sou em resistência, o sou em combatividade ao que você é. Porque você foi meu amor, minha alegria assimétrica, minha dor gritada. Mas você foi, apenas foi, não é. E o que eu sou, por tudo o que fui em você, é um símbolo de libertação.

Friday, May 13, 2005

 

Caro amigo outono,

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eu não ando me reconhecendo. E é bem por isso que não ousarei exigir que me reconheças. Esta manhã me veio alheia em tudo ao que sou. Nem meus lençóis, nem o travesseiro, nem o café da manhã, nem a ligação da dona da sinuca me reconheceram. Fui eu mesmo forasteiro a mim, num corpo que doía tanto, numa garganta que falhava tanto, numa alma que pecava tanto, que desisti de me encontrar em mim. Ainda pensei em ligar para Rodolfo, falar do que me afligia. Mas desisti. Era bem capaz que nem ele me reconhecesse, visto que eu não me reconhecia. E para não terminar me magoando, desisti. Estranho, desisti hoje do dia inteiro. Passei por ele sem passado, sem futuro. Não houve angústia qualquer no dia de hoje, houve apenas a voz de Soraia, a secretária da divisão de saúde do Ministério Público, a me dizer que o que eu pedira não estava pronto. Isso porque há dias que são assim. Irreconhecíveis. Dias que se questionados, não sabem muito sobre si. Dias em que os ponteiros das horas empacam na contemplação da imagem de um homem, de seus olhos, de seus pelos, de sua nuca, de seu peito. Dias anônimos, passageiros. Dias inúteis ao calendário, à soma dos tempos, ao horóscopo! Dias parecidos comigo, neste dia. Dias que andam não se reconhecendo. Dias perdidos de si, achados em mim.

Saturday, May 07, 2005

 

Caro amigo,

Sempre fui um homem ocupado. Ainda quando era um menino, fui um homem ocupado. Quando adolescente e descobria meu meninos-e-meninas de cada dia, fui um homem ocupado. Na universidade, no teatro, no movimento: nunca deixei de ser um homem ocupado. Hoje me desocupo. Desocupo-me do desejo de ir ao lugar que nunca fui. Desocupo-me da ronda de minha boca à espera da dele. Desocupo-me de muitas, muitas ilusões. Não tenho tempo. Mas persigo insistentemente em minha jornada. Mas não uma jornada de um herói, de um vilão. Não uma jornada de um rei, de um feiticeiro. Não uma jornada de um corajoso, de um feliz. Uma jornada de um homem sempre ocupado. Sempre muito ocupado. Nunca ocupado de mim.

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