Friday, May 20, 2005
Caro amigo Passado,
Você passou, eu fiquei. Por vezes sinto-lhe por perto, atravessado em minhas dúvidas, angústias, saudades até. De costume você é distante e fugidio. Não controlo seus repentes, seus caminhos. Passou livre demais de mim. E eu que nem de presente construo racionalmente meu presente, sou vítima de seus rompantes em cada esquina em que me cubro de solidão. Caro amigo, você não presta, embora me dê sempre um sorriso canto de boca ou uma gargalhada rica de amor por tudo. É que entre as horas que perco a lembrar do que você representou, tocou e deixou em minha vida, esqueço tanto, por tanto, mas tanto de mim que você me perde assim, saído de minha’lma vermelha louca do som de suas canções. Você ainda me descobre porque não fui nada sem ter sido em você, não plantei árvore, não escrevi livros, não tive filhos, não homens ou mulheres que não fosse em você. E é porque você domina tudo em mim, menos o que sou, que com veemência sou cada vez mais o que sou, sou insistentemente, afirmativamente, incisivamente, fortemente o que sou. E o sou em resistência, o sou em combatividade ao que você é. Porque você foi meu amor, minha alegria assimétrica, minha dor gritada. Mas você foi, apenas foi, não é. E o que eu sou, por tudo o que fui em você, é um símbolo de libertação.