Sunday, December 26, 2004

 

Alakazan! Ala kazin! Ka Bran!

Haverá circo sem picadeiro? Sem platéia, com fica o mágico?
Em tudo que é mágico, um faz o espetáculo e o outro aplaude?
Me questiono e, te questiono.
Se for assim, não quero não. Não quero mais ser do circo. É, o circo! Não quero mais. Aquele que eu sonhei a vida toda, onde queria ser tantas coisas.
Primeiro, aquela bela e simpática ajudante do mágico, com seu figurino furta-cor. Depois a divertida trapezista. Corajosa, confiante. A rodopiar e saltar sob a lona vermelha e amarela, acima apenas da proteção daquela rede. Então descobri(pensei): queria ser contorcionista. Estranho, eu sei. Não é belo, nem emocionante, nem sedutor. Alguém com um colan, cabelos presos e maquiagem forte, que se desdobra e dobra sobre si mesma, a voltar e ir nas próprias pernas. Estranho. Estranho é a palavra. Para mim: Pão dormido com manteiga e açúcar.
Alguém com olhar forte, de aparência rígida e músculos elásticos.
Está combinado, eu serei contorcionista, e me apaixonarei pelo mágico. É o mágico. Não o palhaço. Eu adoro o palhaço, mas não ele. Palhaço é engraçado. Engraçado não seduz, diverte. O que seduz é o que não dá p explicar. É o silêncio, o suspense, o fundo da cartola.
Alakazan!
Estou fora do picadeiro, o respeitável público aplaudiu. Nem lembra mais, está ansioso, a espera da próxima atração. Ela, a atração, é o mágico. Para mim, não há mais picadeiro, não hoje. As pálpebras não estão pintadas, os cabelos soltos. Nem de colan eu estou. Mas o mágico pelo qual me apaixonei continua lá. Está de fraque, e de gravata borboleta, e tem ajudante, e tem cartola. Eu estou abasbacada, abobalhada, abestalhada. É assim com a paixão, assim que a gente fica.
Ala kazin!
Estamos os dois apaixonados. Ele me fitou nos olhos e aplaudiu de pé durante o espetáculo. Pão dormido com manteiga e açúcar também seduz.
Eu, por detrás da cortina, estava que não cabia em mim, era o mágico. E era mágico.
Ka Bran!
O espetáculo acabou. As luzes apagaram. O respeitável público esta em casa.
Contorcionista e mágico ficaram no picadeiro. Será que a magia precisa de performance?
Haverá circo sem picadeiro? Sem platéia, com fica o mágico?
Em tudo que é mágico, um faz o espetáculo e o outro aplaude?
Me questiono e, te questiono.
Se for assim, não quero não. Não quero mais ser do circo.
Pão dormido com manteiga e açúcar.

Friday, December 24, 2004

 

Caro Amigo Chico,

"Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios no ar... "

Chico

Ah, amigo Chico, tanto me faz essa vontade de me chover. Ah, amigo Chico, queria eu, nesta noite, lavar tudo e tudo limpo com minha alma liquefeita, poder sujar tudo com minhas palavras sorrateiras. Ah, amigo Chico, tanto que eu podia ter dito, ter vivido, consentido, tanto que eu podia ter deixado para trás, mas amigo Chico, eu que não sou de "se", que sou de "será", queria tanto, mas tanto uma noite de amor que perdi. E hoje mato minhas saudades em linhas perpétuas, perpetuadas de doçura. Mas deixe estar que é o ritmo de um amor-bolero que me espera ao lado de Deus sentado na sala de estar escrevendo uma carta para Débora. Deixe estar que toda a poesia que nunca escrevi estará contida na inexistência casual de um sonho sem piedades de si e numa perfeita razão para abandonar vazios. Ah, amigo Chico, se Diogo me prometer paciência poderei até parar com essa conversa de queria-ser-como-você. Ah não, amigo Chico, com todas as cores com que pintei minha alma neste ano não largarei minhas bandeiras para brincar de ser feliz. Ser-feliz é algo por demais sério quando se trata de afirmação. Caro amigo Chico, descobertas à parte, queria bem o azul de teus olhos para desenhar.

Thursday, December 23, 2004

 

Eu vim não sei de onde, to chegando nem sei pra quê

Oi, oi. Então...
Cá estou eu.
Um tanto não sei quanto de coragem e algumas promessas. Postar é a maior delas.
Pequeno, velho, cheio de problemas. Muitas verdades, muita ingenuidade.
Esperança, amor e luta. Desejo, fé e glória. Dedicação, decepção e angústia. Família, amigos e saudade.
Por fora a aparência é de um anil desbotado. Por dentro, finas abscissas. Abscissas e mais abscissas. Rabiscos e rascunhos. Cores e pedaços. Risos e lágrimas. Confidências e sonhos.
Caderninho azul, o prazer é todo meu.

Metrô - Skylab II

ESTAÇÃO CINELÃNDIA.
Eu tinha ido a cidade,
Eu vinha vindo tão bem,
Não tinha crise de asmas,
Os meus negócios iam bem,
Mas de repente, um minuto,
Tudo mudou só eu sei,
Aquela voz sussurrando,
Aquela voz a dizer:
ESTAÇÃO GLÓRIA.

Que voz, que coisa esquisita,
Eu nunca vi coisa igual,
Era uma voz de fantasma,
A voz de um morto no trem,
Eu tinha ido ao trabalho,
Eu vinha vindo tão bem,
E aquela voz sussurrando,
Aquela voz a dizer:
ESTAÇÃO CATETE.

Eu fui perdendo o controle,
Eu tava dentro do trem,
Na minha frente um babaca,
Tu tá me olhando por que ?
Eu vivo sempre sozinho,
Eu vinha vindo tão bem,
E aquela voz sussurrando,
Aquela voz a dizer:
ESTAÇÃO LARGO DO MACHADO.

Tô indo não sei pra onde,
Se eu vim não sei de onde foi,
Eu tô por cima dos trilhos,
Eu nunca sei quem eu sou,
A voz me dá calafrios,
A voz me enche de horror,
E lá vem ela subindo,
Aquela voz, não, não...
ESTAÇÃO FLAMENGO.

Eu olho pela janela,
Eu vejo só escuridão,
Eu tô debaixo da terra,
Será que tudo é ilusão?
Aqui parece o Infermo,
Eu não consigo entender,
Aquela voz sussurrando,
Aquela voz a dizer:
ESTAÇÃO BOTAFOGO.

Os nervos à flor da pele,
Os olhos em combustão,
Os dedos todos tremendo,
O meu coração na mão.
Eu tô chegando no ponto,
O que será que eu vou ver?
E aquela voz sussurrando,
Aquela voz a dizer:
ESTAÇÃO CARDEAL ARCO-VERDE, ESTAÇÃO TERMINAL.

Wednesday, December 15, 2004

 

Caro Amigo?

Caro Amigo,

Hoje que estou cansado, hoje que não tenho olhar sobre o deus que existe entre nossas mãos se tocando, hoje que me perdôo por não ter acordado mais cedo, hoje que me deu duas reuniões sobre movimentos sociais e uma sobre educação popular, hoje que fico mais velho e percebo que o natal sempre me provocará sorrisos e saudades, hoje que sonha e que sonho, pensei em ti, olhando a paisagem da janela do ônibus que me carregava.

Pensei que não te perdoarei por teres plantado em nosso povo a desgraça de uma cultura que priva homens e mulheres de uma pretensa normalidade institucional e facilmente estereotipada. Pensei que me dói, senti que me dói perceber que há mais gente-coisa-objeto da opressão do que gente-sujeito consciente da possibilidade de qualquer emancipação, dentro da Faculdade de Direito do Recife. Senti e pensei que são capazes de me machucar, gente próxima eles, opressores, nascidos e vividos nesta nossa cultura pela qual jamais te perdoarei. Pensei e senti, nesta ordem, o meu desejo de hoje te dizer que esta será a minha luta diária: a de te desconstruir.

Para isso, caro amigo, se em cada roda de diálogo, espaço de afirmação, campo de construção e disputa político, praça, fórum, realidade, sonho, houver quem machuque, quem oprima, haverá a minha dor e ela passará entre os homens e entre as mulheres e terá outro nome que não dor e será luta. E é desse modo que carregarei minhas bandeiras, porque sei que assim, quando eu cair, quando não mais suportar, quando não mais tiver forças, e restar apenas a dor, haverá quem erga as bandeiras de meus sonhos, porque sonhos existem apenas em comunhão, compartilhados, vivos e livres.

Deixo minha função: a de ser capaz de democratizar minha dor. A de convencer o outro que você, caro amigo, violenta. Que você, caro amigo, desrespeita, mata, privatiza, empobrece. Que você não é uma questão de opinião, que não está entre as liberdades, que você é a fonte de minha dor, neste Dezembro e em todos os Dezembros, janeiros, fevereiros, meses de minha existência. Partirei então para transformar a dor - que jamais será culpa ou pena - em indignação, em revolta e então, finalmente, o embate terá espaço em cada alma a ser conquistada, em cada mente a ser convencida, para que o conceito que respeito as desigualdades, o diferente, e que crie uma igualdade de possibilidades se forme. Aí então, caro amigo, preconceito, Preconceito, pré-conceito, morrerei diante de ti, com a fé naqueles que virão e sustentarão sonhos de libertação.

Monday, December 06, 2004

 

Caros Amigos: nós

Caros Amigos,

Trago-lhes boas notícias. É que eu tive uma idéia, minto, é que eu resolvi parir uma idéia que já vinha dando chutes em minha'lma e sinais de que queria vir de qualquer forma. Vocês estão bem acostumados a me ler. Sabem o que escrevo, como escrevo, bebo escrevo, mastigo escrevo, sinto escrevo. O que me deixa por demais contente, é verdade. Mas preciso lhes confessar que isso por vezes me dá um desconsolo, uma desolação, uma solidão. É que escrever, como qualquer forma de arte, é entrega. E eu animal-sentimental vivo de querer que se entreguem. Por isso, este parto. Primeiro porque Rodolfo me promete um texto desde que resolveu virar meu amigo, segundo porque percebi que vivo de curiosidade para saber como é que vocês se expressariam através de palavras endereçadas a uma titularidade artística, por mais livre e libertária que esta seja. Confesso: quero um pouquinho mais de vocês. Rodrigo eu já conheço em escrita, embora ande ausente dos Orgasmos Multifacetados, Débora vive de A-ssuma, mas e Alcino? E quem mais virá? Acho, meus amigos, que o espaço é aberto. Convidem. O critério? A amizade, como não? Por fim, sempre haverá um amigo a endereçar uma carta. Assuntos muitos, os mais variados. Política, amor, sexo, movimento, nós, amizade: vamos nos permitir! E então? De quem será a primeira carta? De quem serão as primeiras opiniões, impressões? Caros amigos: nossas.

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