Wednesday, December 15, 2004
Caro Amigo?
Caro Amigo,
Hoje que estou cansado, hoje que não tenho olhar sobre o deus que existe entre nossas mãos se tocando, hoje que me perdôo por não ter acordado mais cedo, hoje que me deu duas reuniões sobre movimentos sociais e uma sobre educação popular, hoje que fico mais velho e percebo que o natal sempre me provocará sorrisos e saudades, hoje que sonha e que sonho, pensei em ti, olhando a paisagem da janela do ônibus que me carregava.
Pensei que não te perdoarei por teres plantado em nosso povo a desgraça de uma cultura que priva homens e mulheres de uma pretensa normalidade institucional e facilmente estereotipada. Pensei que me dói, senti que me dói perceber que há mais gente-coisa-objeto da opressão do que gente-sujeito consciente da possibilidade de qualquer emancipação, dentro da Faculdade de Direito do Recife. Senti e pensei que são capazes de me machucar, gente próxima eles, opressores, nascidos e vividos nesta nossa cultura pela qual jamais te perdoarei. Pensei e senti, nesta ordem, o meu desejo de hoje te dizer que esta será a minha luta diária: a de te desconstruir.
Para isso, caro amigo, se em cada roda de diálogo, espaço de afirmação, campo de construção e disputa político, praça, fórum, realidade, sonho, houver quem machuque, quem oprima, haverá a minha dor e ela passará entre os homens e entre as mulheres e terá outro nome que não dor e será luta. E é desse modo que carregarei minhas bandeiras, porque sei que assim, quando eu cair, quando não mais suportar, quando não mais tiver forças, e restar apenas a dor, haverá quem erga as bandeiras de meus sonhos, porque sonhos existem apenas em comunhão, compartilhados, vivos e livres.
Deixo minha função: a de ser capaz de democratizar minha dor. A de convencer o outro que você, caro amigo, violenta. Que você, caro amigo, desrespeita, mata, privatiza, empobrece. Que você não é uma questão de opinião, que não está entre as liberdades, que você é a fonte de minha dor, neste Dezembro e em todos os Dezembros, janeiros, fevereiros, meses de minha existência. Partirei então para transformar a dor - que jamais será culpa ou pena - em indignação, em revolta e então, finalmente, o embate terá espaço em cada alma a ser conquistada, em cada mente a ser convencida, para que o conceito que respeito as desigualdades, o diferente, e que crie uma igualdade de possibilidades se forme. Aí então, caro amigo, preconceito, Preconceito, pré-conceito, morrerei diante de ti, com a fé naqueles que virão e sustentarão sonhos de libertação.