Wednesday, February 11, 2009

 

Saturday, September 01, 2007

 

O mês era setembro. Consigo as manhãs de sol, as flores em cor. As calçadas tingidas de rosa. Rosa-flor-de-jambo. O sorriso largo. Como quem desperta entre um samba e o mar. Trazendo a própria Felicidade que o vento forte houvera afastado. Por estes dias aprendi que a Felicidade não bate à porta, não traz uma lista de recomendações, nem números para ligar em caso de emergência. Saí à toa e esbarrei nela. Qual uma estranha criatura, ela me sorriu. Estranhei e segui. Ela veio junto. Não pediu licença, não mandou avisos. Passamos um tempo de namoro. Às vezes vinha, às vezes não. De vez em quando telefonava só pra que eu não a esquecesse. Aparecia de repente. E noutro rompante se ia. E nestes dias ela lia umas poesias, me contava histórias do tempo-de-não-sei-quando, falava da beleza do céu. Ela sorria. Tinha vez que ela aparecia mesmo debaixo de chuva e aí ela me convencia que a gripe era uma lenda feia. E quando me via, estava ensopado, sentindo a água no rosto. Porque sim, o céu desabava sobre os homens. E ela me contava que o nome disso era Felicidade. Noutro dia colou-se em meu corpo. Descobriu os caminhos. Tomou-me minh’alma. As ruas abriram-se em sorrisos. E o céu firmou azul-meio-dia. Os pés já não tocavam o chão... A dança tomou os sapatos, as pernas, pés, quadris e braços. E o corpo todo foi tomado. Não me pertencia. Foi aí que aprendi a ser gente. E a Felicidade adentrou minha casa, foi chegando-se pela sala, subindo para o quarto, deitando-se na cama. Sem cerimônia. Sem cuidados. É que Felicidade é dada a ousadias. Tem gente que não entende, e se dana a difamar tão boa menina. Passamos então a deitar e despertar todos os dias. E nessa nossa toda intimidade fui descobrindo os trabalhos que a tal Felicidade me daria. Porque é preciso manter-se disposto. Parar o tempo, um pouco. Olhar as flores, sentir os cheiros, sorrir com o sol. É preciso ver o mar. Ouvir música, aprender a abraçar. Esquecer o medo de gente que na escola nos ensinam a ter. Se dançar, ajuda. E a tarefa mais difícil é aquela coisa de amar. Pois sim, nestes dias aprendi que é mais fácil ser triste. Mas aí a danada da Felicidade já tinha me cativado. E quando ela me faltava, saia pela cidade no seu encalço. Ela não devia ter avisado que Felicidade vicia?! Pois então, cá estou viciado nas meninices da alegria. E assim fui entendendo que valia todo o trabalho. Daí então me dedicava todo tempo a agrada-la. Não a deixava só em casa. Joguei fora a TV. Tudo isso para que a moça de mim não entediasse e fosse buscar sorrisos em outros lares. Até que numa dessas noites a encontrei meio séria. E antes que me assustasse ela falou que este nosso enlace acabaria se a fizesse cativa. Porque Felicidade boa tem que ser repartida, ela certa me dizia. Não teimei, nem duvidei. E desde então perdi as chaves de casa. Deixei as portas abertas. Até que um dia me encantei com a tal Liberdade. Felicidade não tinha ciúme. Não perdia tempo com mesquinharias. E elas se davam bem. Gargalhavam de mim e fofocavam meus defeitos. Também não as reprimia. Fui esquecendo de ter raiva. Nestes tempos emagreci. Perdi uns 10 quilos e me fiz leve. Passava rasteira nos aborrecimentos. E quando não tinha jeito me enfeitava com um sorriso no rosto e meu punha a dançar. São meninas de melindres. Difíceis de conservar junto a si. Mas era tão bom que valia o esforço. E não é que Liberdade foi me ensinando a me voar?! Primeiro uns saltos tímidos, umas quedas, uns braços quebrados. Depois veio o vôo livre. O transmigrar-se, borboletear. Liberdade gostava mesmo de pintar. Passava horas por entre as cores da noite. Cheia de meninices, por vezes se escondia. Só pelo prazer de me ver procura-la. É, elas me testavam. Teve uma vez que as duas passaram uma semana inteirinha fora. Disseram: vamos ver o mar. Também não me preocupei, sabia que voltavam. Tinham feito morada. A casa estava repleta delas. E por isso vivi estes dias, como se as tivesse ao meu lado. Porque carregava seus cheiros comigo. E foi nestes dias de setembro que descobri que as meninas estavam em mim. Tinham-se entranhado em minha carne e para sempre me compunham. Foi assim que nas manhãs de setembro eu desaprendi o que era medo.


Monday, August 13, 2007

 

Caro moreno,

Escrevo para falar do não dito. Da beleza do nosso silêncio que comunica mais do que o que falsamente nos dizemos. O nosso cúmplice silêncio. Que nos faz companheiros.

Eu bem que podia te contar do sol que morre por trás das casas de minha cidade. Do pôr-do-sol de minha janela. Do rio que cintila às 17 horas da tarde. Do jogar meus longínquos pensamentos em suas águas. Da rua que morarei. Do sol que queima a pele ao meio-dia. Do andar extasiada por velhas ruas cheias de novas vidas. Do vento forte no cais do porto. Das músicas, danças, os ritmos daqui. Podia até ensinar-te antigas loas, toadas, canções. Balançar teu corpo, cirandar. Do nascer da lua à beira-mar. Do estar à beira. Do andar no meio-fio. Do correr. Da navalha.

Ou então, poderia pôr em palavras o que sinto. Mas há coisas que não se explicam. Inútil seria tentar descrevê-las. Sentimento é bicho arredio. Criado no mato. Desconfiado. Bicho de instante. Aparece grande, forte, másculo. Indomável.

Desculpar-me-ia por tentar conter o não contido. Pela distância do olhar. Pela vagueza dos gestos. Por meu pisar-em-ovos. Os telefonemas noturnos não discados. As linhas não escritas. Não tem linhas minha palma. Faço-me, refaço-me. Reflexivamente. Pelas mãos não entrelaçadas. Se pudesse...

Não o faço. Não te escrevo mais uma carta não enviada. Destas cartas meu quarto e meu coração estão cheios. Cansei das nossas tortas linhas. Nossas entrelinhas. Entrelaços. Nossos anéis.

Antes, te escrevo uma prece. Oração de quem já não quer desencontros. De quem já não quer concisão. Não deseja mal-entendidos. De quem deixou os problemas esperando e não atendeu a porta. Uma prece de quem ama e já não teme.

Então, moreno, escuta esta oração. Recebe o meu beijo pensado. Enviado a quem vive distante.

Sentimento é encanto. Trisca o mágico. O brilho. Escorre das mãos. Tal qual arco-íris, abre-se em sorrisos. E se menina dos olhos não se anima a brilhar feito criança. Já não é. Fenece. Ilusão.

Afeição é não-matéria. Paira no ar. Intocável, acolhedora. Não tem peso, não tem medida. Faz pouco caso da etiqueta. Antes, revolta-se. Afeto é filho rebelde. Se cria solto no mundo. Joga-se ao vento. Arrisca.

Amor é menino novo. Encantado. A descoberta do mundo. Leve. Matreiro. Corre, salta, sobe em árvore. Corajoso. Sabe-se jovem e vigoroso. Recupera-se. Desperta tal o dia que se abre após a chuva forte. Intenso. Renovado. Amor é Deus-brincante.

Sempre nos reze, nos guarde, nos ilumine, governe.
Amém!


“Espere por mim, morena
Espere que eu chego já
O amor por você, morena
Faz a saudade me apressar“
Gonzaguinha

Thursday, July 19, 2007

 

Caros orixás,

domingo dia de mar.
mar-verde-quase-azul que se mostrou em minha janela.
numa tarde jurídica, em meio a processos e outras chatices desta natureza,o verde-azul do mar, arrebatou-me.
levou longe meus pensamentos.
À noite, embalada por caymmi, enlaçada por harmônicos corpos a dançar.
a imitar o mar, o barco, o pescador, a partida, a doçura do morrer nas ondas.
arrepiei-me na poltrona do teatro e retornei mansamente à beira da praia onde joguei antigas angústias, inseguranças, maus agouros.
apanhei carinhosamente os delicados sentimentos outrora esquecidos por lá.
batizei-me no mar.
pedi a sua benção.
segui.

segunda-feira noite de lua.
Lua-Sorriso-de-Gato.
daquelas de beleza inesperada e improvável, mas que, de repente, numa olhadela, por entre os prédios da cidade, desponta a magia no céu.
foi assim. uma lua que me pegou de supetão. uma surpresa. um alumbramento.
lua capaz de encharcar de poesia uma alma desprevenida.
como a minha...
que me chama à rua.
leva-me a passeio.
e que bem-diz aqueles que vêem o dia raiar porentre risos e cantos.
mirei a lua. cerrei os olhos.
pedi sua aprovação.
segui.

terça-feira dia de rio.
rio-azul-profundo.
como quem carrega, leva longe todos os males do mundo.
azul de mistérios e milenares sabedorias.
que purifica. que melhor reflete os raios do sol que se põe.
quente. alaranjado. todo-poderoso entre as nuvens e as casas de minha cidade.
rio cintilante.
de pequena canoas. de redes que retornam aos seus donos tristes e vazias.
do pescador crédulo.
o rio que corta minha cidade.
o rio que guia meus descaminhos.
guardei tuas tortuosas linhas.
senti o seu consetimento.
segui.

quarta-feira. ventania.
vento forte que acarinha meus cabelos.
carrega a tempestade.
levanta a saia, faz rodar.
que leva longe a bola.
e tudo mais que for etéreo.
que traz notícias de lado lá.
ventos de minha mãe.
Iansã.
reverencio.
sei de seu consentimento.
peço sua aprovação.
recebo sua benção.
e sob sua proteção.
segui.

Monday, July 16, 2007

 


O Amor entrou. Não tocou campainha. Não bateu a porta. Não pediu licença. Como de costume.

Falou qualquer besteira sobre o clima. Reclamou dos sapatos molhados. Procurou um lugar para largar seus papéis. Beijou-me na testa. Sentou-se. Contou, animadamente, sobre uma peça. Um livro. Um filme. Não me lembro bem. Ajudou-me com o jantar. Cantarolou alguma coisa. Perguntou-me se conhecia a tal melodia. Saboreou o cheiro vindo da cozinha. Pediu azeite. Abriu um vinho. Tinto seco. Como sempre.

Contei-lhe as novidades. Os perrengues no trabalho. Falei com entusiasmo de algum fenômeno astronômico. Um cometa. Um eclipse. Não sei ao certo. Falamos, então, do céu. Tecemos grandes comentários sobre Dali. E a rosa. Ríamos. Entoávamos antigas canções. Bebíamos. Ficávamos ébrios. Pouco a pouco. E bebíamos. Mais uma vez.

Já não falávamos. Palavras tornaram-se dispensáveis. Comunicávamo-nos com o olhar. Balbucios, no máximo. As mãos se entrelaçavam. Desprendia. Para de novo se prender. Os corpos dançavam. Rodopiavam em mágico ritmo. Caímos tontos. Gargalhamos. Tínhamos ares de amantes.Vimos o dia nascer. A cidade acordar. Éramos cúmplices. Novamente.

O Amor partiu. Não se despediu. Não se explicou. Abriu a porta. E sem qualquer preocupação com o barulho que fazia, fechou-a.

Ele voltou. Entrou sem bater. Não perdia os velhos hábitos. Falou de saudade. Ou qualquer outra besteira. Contou-me de suas novas aventuras. Inventou viagens fantásticas. E eu, tonta, ria como quem finge que acredita. Elogiou o cabelo. Agora comprido. Passou a sala em revista. Com o olhar. Em busca de sinais dO novo Amor. Aliviado, perguntou pelos novos amores. Assim, no plural. E dessa forma contei-lhe. Não. O Amor não tinha ciúme. Gostava mesmo de ouvir sobre paixões. Escutava atento. De repente. Enfadou-se. Mudou o assunto. Abriu a geladeira. Pôs o vinho. Desejou música. Vasculhou meus cds. Mostrei-lhe minhas novas aquisições. Sabendo inútil tal esforço. Por fim. Escolheu aquele mesmo velho cd. Músicas de tempos atrás. Falamos das estrelas. Chamou-me para um passeio. Apertou-me a mão. Sentiu meu perfume. Enlaçou-me. E se aninhou em meu colo. Fazendo-me sua morada.


A casa está bonita.
A dona está demais.
A última visita
Quanto tempo faz
Balançam os cabides.
Lustres se acenderão.
O amor vai pôr os pés
No conjugado coração.
Será que o amor se senta em casa.
Vai sentar no chão.
Será que vai deixar cair.
A brasa no tapete coração.

Quando aumentar a fita.
As línguas vão falar.
Que a dona tem visita
E nunca vai casar
Se enroscam persianas
Louças se partirão
O amor está tocando
O suburbano coração
Será que o amor não tem programa
Ou ama com paixão
Mulher virando sofá
Sofá virando cama coração
O amor já vai embora
Ou perde a condução
Será que não repara
A desarrumação
Que tanta cerimônia
Se a dona já não tem
Vergonha do seu coração
chico buarque

Tuesday, December 19, 2006

 

Caro amigo,

A questão não é estritamente o que a gente diz, entende? A questão está na sinceridade com a qual a gente sente o que a gente diz que sente. Pode ser unha encravada, verso de Neruda ou de Vinícius, refrigerante light ou a contra-hegemonia da libertação dos oprimidos. Seja lá o que for, dito sem compromisso, sem fidelidade, sem lealdade, não cabe na poesia. Na poesia até a falácia, até a hipocrisia, até a mentira tem de ser sincera. Não é que não se possa fugir da verdade - que verdade? - na poesia. Tantas vezes enganei, a mim e aos outros, em verso e em prosa! Ocorre que, na poesia, mesmo quando se mente, é-se sincero com a poesia e seus sentimentos. Aqui mesmo, diversas vezes, jurei por-deus-nossa-senhora não amar mais fulano, esquecer sicrano, expelir da minha vidinha beltrano. Verdade? Claro que não! Como se os descaminhos do amor estivessem num apertar de botão, num "não-deu? tá-bom! tou-fora". Mas sempre que eu ousava dizer essas mentirinhas tolas, assim que eu me punha inteiro nas palavras, era com sinceridade que eu letrificava aquelas dores, resoluções, emoções, bravatas. É assim que nasce a poesia. Não precisa nem de rima nem de forma. Às vezes nem conteúdo é lá muito fundamental. Mas sinceridade, essa sim, é de sua essência.

Monday, October 23, 2006

 

Caro amigo, ouça isso

É que eu prefiro reafirmar os finitos a sustentar impossibilidades em esperanças forjadas.
É que eu prefiro rasgar o horizonte manchado, por pano novo na tela, pegar minhas tintas e pintar um novo quadro.
Reinventar espaços? Pra que tanto remendo?
Na dúvida, o bom e clássico preto no branco sempre me caiu muito bem.
É que n gosto de masoquismo e ainda,
Eu sou eu o que é bem diferente de vc.
Ah, e crueldade, meu caro, é de intensidade subjetiva,
se era intenção do interlocutor, o problema é dele, apenas dele.


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