Monday, July 16, 2007

 


O Amor entrou. Não tocou campainha. Não bateu a porta. Não pediu licença. Como de costume.

Falou qualquer besteira sobre o clima. Reclamou dos sapatos molhados. Procurou um lugar para largar seus papéis. Beijou-me na testa. Sentou-se. Contou, animadamente, sobre uma peça. Um livro. Um filme. Não me lembro bem. Ajudou-me com o jantar. Cantarolou alguma coisa. Perguntou-me se conhecia a tal melodia. Saboreou o cheiro vindo da cozinha. Pediu azeite. Abriu um vinho. Tinto seco. Como sempre.

Contei-lhe as novidades. Os perrengues no trabalho. Falei com entusiasmo de algum fenômeno astronômico. Um cometa. Um eclipse. Não sei ao certo. Falamos, então, do céu. Tecemos grandes comentários sobre Dali. E a rosa. Ríamos. Entoávamos antigas canções. Bebíamos. Ficávamos ébrios. Pouco a pouco. E bebíamos. Mais uma vez.

Já não falávamos. Palavras tornaram-se dispensáveis. Comunicávamo-nos com o olhar. Balbucios, no máximo. As mãos se entrelaçavam. Desprendia. Para de novo se prender. Os corpos dançavam. Rodopiavam em mágico ritmo. Caímos tontos. Gargalhamos. Tínhamos ares de amantes.Vimos o dia nascer. A cidade acordar. Éramos cúmplices. Novamente.

O Amor partiu. Não se despediu. Não se explicou. Abriu a porta. E sem qualquer preocupação com o barulho que fazia, fechou-a.

Ele voltou. Entrou sem bater. Não perdia os velhos hábitos. Falou de saudade. Ou qualquer outra besteira. Contou-me de suas novas aventuras. Inventou viagens fantásticas. E eu, tonta, ria como quem finge que acredita. Elogiou o cabelo. Agora comprido. Passou a sala em revista. Com o olhar. Em busca de sinais dO novo Amor. Aliviado, perguntou pelos novos amores. Assim, no plural. E dessa forma contei-lhe. Não. O Amor não tinha ciúme. Gostava mesmo de ouvir sobre paixões. Escutava atento. De repente. Enfadou-se. Mudou o assunto. Abriu a geladeira. Pôs o vinho. Desejou música. Vasculhou meus cds. Mostrei-lhe minhas novas aquisições. Sabendo inútil tal esforço. Por fim. Escolheu aquele mesmo velho cd. Músicas de tempos atrás. Falamos das estrelas. Chamou-me para um passeio. Apertou-me a mão. Sentiu meu perfume. Enlaçou-me. E se aninhou em meu colo. Fazendo-me sua morada.


A casa está bonita.
A dona está demais.
A última visita
Quanto tempo faz
Balançam os cabides.
Lustres se acenderão.
O amor vai pôr os pés
No conjugado coração.
Será que o amor se senta em casa.
Vai sentar no chão.
Será que vai deixar cair.
A brasa no tapete coração.

Quando aumentar a fita.
As línguas vão falar.
Que a dona tem visita
E nunca vai casar
Se enroscam persianas
Louças se partirão
O amor está tocando
O suburbano coração
Será que o amor não tem programa
Ou ama com paixão
Mulher virando sofá
Sofá virando cama coração
O amor já vai embora
Ou perde a condução
Será que não repara
A desarrumação
Que tanta cerimônia
Se a dona já não tem
Vergonha do seu coração
chico buarque

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