Saturday, April 29, 2006

 

Cara Irracionalidade,

Não é a primeira vez que lhe escrevo, tenho até lhe enviado missivas constantemente. Senão escrita, ao menos em pensamento. Não têm sido raros os momentos que a você remeto. A senhora bem sabe os males que anda causando. Apesar dos ares de mundo novo que me cercam, há sempre o cheiro de naftalina no ar. Como algo que ficou por demais no armário e de repente volta à moda. Acho que retrô é nome que dão, não sei ao certo...
Todo esse vinho não me faz bem... nunca me fez. Conjugado com a essa lua que não é cheia, mas é bonita e me preenche. Outras luas me trazem mais (más?) recordações...Se for à beira-mar e sob um cruzeiro do sul. A mesma velha pergunta se faz presente: para que nortes?
Assim mais um capítulo vai sendo escrito, dessa vez vagarosamente. Nem todo intenso é efêmero. Efêmera, falam...


O que é bonito
Lenine

O que é bonito
È o que persegue o infinito
Mas eu não sou
Eu não sou, não
Eu gosto é do inacabado
O imperfeito, o estragado.
O que dançou, o que dançou
Eu quero mais erosão
Menos granito
Namorar o zero e o não
Escrever tudo o que desprezo
E desprezar tudo o que acredito
Eu não quero a gravação, não
Eu quero o grito
Que a gente vai,
A gente vai
Fica a hora
Mas eu persigo o que falta
Não o que sobra
Eu quero tudo que dá e passa
Quero tudo que se despe,
Se despede e despedaça
Eu quero tudo que dá e passa.
Quero tudo que se despe,
Se despede e despedaça.
 

Caro amigo distante,

Certa vez eu lhe enderecei dizeres de desculpas, saudades e gostares. Desta vez não venho aqui para me desculpar da falta de notícias minhas que lhe acomete...
De qualquer forma, fique dito que por aqui as coisas andam mais ou menos no mesmo passo que antes no reino de Abrantes. Algumas bobagens permeando a vida, pra dar aquele ar de graça. Algumas brigas também porque senão fica chato. Algumas bebedeiras regadas a muitas risadas. Algumas histórias para contar. Nada de extraordinário ou espetacular. Mas ainda sim, a vontade de compartilhar. Mas a comunicação entre lugares de diferentes céus, é quase impossível... nem as estrelas ajudam.
É dessa vez a saudade demorou mais a visitar-me. Pensei até que nem ia sentir direito.Sei lá... essa correria da vida, esse pouco tempo que sobra pra sentir as coisas, pra pensar nas pessoas, esse pouco tempo que sobra pra viver. Convenci-me de que o tempo voa, então rapidamente a distância diminuía. Quase que num piscar de olhos. Juro como tentei a técnica do pirlimpímpim e pensei que se desejasse verdadeiramente em dois tempos estaria aí pra uma rápida visita, só o tempo de um suco e uns pães de queijo. Mas não me chamo Emília e Deus não quer brincar de Lobato...
Foi quando a senhora saudade deselegantemente resolveu bater a minha porta e sem ser convidada foi adentrando a casa, se instalando, fazendo morada. E eu que queria lhe cobrar notícias, usar toda a minha argumentação para provar por A mais B que o senhor anda em falta. Eu que já tinha decidido não escrevinhar uma linha, mandar uma notícia, antes que você se dignasse a dizer que está vivo e contar como andam as coisas em vias londrinas para a banda sul do mundo. Fui me rendendo à saudade. Saudade que dói. E por isso aqui estou: a remete-lhe novamente dizeres de saudade e gostares. Só a dizer que amo. Amigo-irmão.
 

Cara Saudade,

Por que se dividir em mil pedaços não é algo fácil. Por que meu coração não é assim elástico. E palavras escritas, não são palavras vividas. Conjuntamente. Capítulos compartilhados. Tá certo, eu sei... Deus não dá asa a cobra. Mas precisava cortar tão na raiz assim?
E as reuniões familiares mesmo parcas e espaçadas nos dão sempre muito pano para mangas, camisas e até calças inteiras... Poucos, mas bem vividos capítulos. Muitas histórias. Risadas. Muitas risadas. Gargalhadas. Corridas ao léo. Para que mesmo saber as respostas daquelas perguntas básicas: quem sou? Para onde vou? O que quero? Deixar-se levar quase sempre é uma boa pedida.
Vôos altos. Sem asas. Fora das asas. E essa teimosia de nos prender ao chão!
A queda. A despedida. Dolorida. O retorno. E eis nossa grande questão: como se passa carinho assim por fibra ótica? Como se compartilha a vida assim friamente, virtualmente? E o pior: como é que se dá um cheiro no óio pela internet?!

Wednesday, April 05, 2006

 

Cara amiga ansiedade,

eu, fosse você, chegava logo. Gosto muito, preciso confessar, do medo de não-ser-ainda, ainda que se queira ser. Ocorre que é você o outro lado da moeda da saudade... Dor é não saber se o que corrói a alma é você ou ela. Mas eu sempre imagino que você aparece no pé da barriga e arrepia os pelos do corpo inteiro. Ela - a saudade - nasce em todos os lugares em que ele já esteve e não mais está. Melhor: você ressucita sempre que ele se vai e há qualquer símbolo de esperança de outro vir. Por isso, eu, fosse você, chegava logo.

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