Friday, August 05, 2005
Cara irracionalidade,
Venho informá-la que terás em breve uma nova hóspede. Apresento-lhe: ELA.
Ela era uma cientista, precisa. Precisamente fria. Racional. Quantificadora. Ela não tinha nome, pensava em números. Sua vida era regrada por lógica matemática. Sua rotina era milimetricamente planejada. Nada poderia sair de suas previsões, não tinha se acostumado com a possibilidade de suas hipóteses não sejam confirmadas. Mulher que não aprendeu a perder e errar é demasiado humano pra ela.
Tudo acontecia nas condições de temperatura e pressão devida. Não tem muito tempo para palavras – só usa o essencial. Palavras são próximas por demais da alma e de outras bobagens afins com as quais ela não perde tempo. Tudo assim se resume a sinapses. Reações físico-químicas. Mulher pesada, contém em si todos os pesos e medidas. Sem leveza. De pés no chão e impossibilidade de alcançar ares.
Ela tinha camundongos, objetos de pesquisa. Lida com eles como coisas fossem. Não há delicadeza, afeto ou raiva. Nada. Nem as pequenas mordidas que eles dão em seus dedos lhe tiram do sério, apesar da dor. Indiferente. Dor é apenas sinapses originadas em neurônios receptores. Tudo é racionalizável.Seu cérebro capta tudo e explica. Ela realiza experimentos, testes. Põe à prova todos os camundongos.
Ela quer descobrir o limite. É em busca desse ente “o limite” que rege sua vida. Porque sua razão só existe em função desse ente mágico, transcendental. O limite não é numérico. Quebra leis de física clássica. O tempo e o espaço são relativos. Não há figuras absolutas. Toda racionalidade se justifica no irracional, a procura do irracional, do imaterial, do intangível. E ao contrário do que se pensa, ela não pretende se manter dentro dos parâmetros. Seu grande intento é ultrapassar o limite. Cair no abismo da irracionalidade, visitá-la, hospedar-se, fazer morada.
O transcendental deve ser provado, testado por todos os meios que a ciência oferece. A racionalidade o trampolim para o grande salto. Sentimentos. O reencontro com ela. E ela, na verdade, é mulher de muitas máscaras, inclusive a de ser Ela.
Terminando esse relato espero, cara amiga, que prepares o aconchego da casa para recebê-la.
Com carinho,
Lua.