Monday, July 11, 2005

 

Caro defunto,

sim, tenho um morto. Tenho-o morto. Solenemente morto. Frio e opaco como lhe é devido. Não, não a lágrima incubada ressecou cá dentro mesmo. Não se expôs. Eu já me expus o suficiente. Pra ser franca, adoro ver-te assim: morto e enterrrado. Felicidade não é crime. Nunca foi. Embora a moral, os bons costumes e o decoro parlamentar diga que sim. Não, não é. Nem a morte é triste. Tudo que morre renasce n'algum outro lugar, sob nova forma, cheiro, cor e sentidos. "Morrenasce trigo, vivemorre pão." Desculpe se não visto luto, mas é que nunca gostei de preto e tenho andado em busca de sol. Procurando matar a saudade de mim. Revivendo a vida poeticamente. Porque sem a poesia-energia que move o mundo os dias são muito iguais. E minha alma tem pedido chuva, sol e dança. Minha alma tem exigido chover-me, fazer-me alma-gente-chuva. Aí o que não é essência morre e vai nascer jasmim em outro jardim. Tudo o que é sentimento encolhe pra rebrotar à flor da pele. Os armários foram abertos, os livros relidos, as melodias sofejadas e muito do que andava escondido revigorou, extendeu galhos por novos ares. E muito do que eu vinha sendo, do meu não-eu que em mim existia foi embora e nisso você foi. Agora eu me constituo pura essência marcada por leves traços de pincel do não-eu que de mim se desprendeu. Tudo o que não é harmônico foi levado pela alma-chuva deixei cair sobre mim.
Para dentro

Pelo que é essencial
Flor da pele
Sentimento vital
Deixa o sol raiar
Deixa a luz explodir
O coração rebentar
Rebento – eu
Quem sabe a que veio?
E o sorriso-alma inda a florir
Muito sol precisa entrar
Pra vida a casa tornar
Abro as janelas
Deixo o vento,
Com forte cheiro de futuro,
Entrar e inundar
Inundar...
E quem sabe o porvir não é o caminho de regresso?

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