Wednesday, February 09, 2005

 

Cara Amiga Quarta-feira,

Porque com água, lavado está o corpo. Mas para lavar a alma: carnaval. Impávida, veio a quarta-feira, nua, pele de chuva a arrebentar as ruas, o tráfego, o trânsito, a impedir uma segura visibilidade aos motoristas. Veio a quarta-feira molhada, cinza e bela, triste cadela chorando meu coração. Do mar de minha respiração sobre o pescoço de Cecília, milhares de homens e de milhares choravam sua chegada, mas ela, como quem vem e sabe que fará sofrer, chorou pelo fogo encantado que lastrou o cais e o frevo, que tornou gente pelo Capibaribe, que rendeu perdições no Bom Jesus. Ah quarta-feira, vieste para dar sentido aos olhos de Rodolfo criando poesias num Choveu- Choveu celeste de um Cordel, para pacificar o peito branco, forte de Biagio respirando mais um fim e uma alegria para sempre, vieste louca, suburbana, sem ceder ao meu adeus. Infeliz quarta-feira, é bem verdade que sorriste, que me disseste e disseste a todos e todas que chegarias, mas é bem verdade que certas verdades pelos passos de caboclos, marinheiros, colombinas, jardineiras, bailarinas, índios e saudades não nos parecem verdadeiras. Ingrata quarta-feira, deste-me todos os beijos que pude parir e todos os partos que pude beijar e todos os homens e mulheres que mais ou menos desejei e todas as risadas e todos os desejos que mais ou menos senti, porque vívida és como uma prostituta, um pecado, algo que nos disseram errado, mas que ferve, freve de frevar cá comigo nesta desolação. Estúpida quarta-feira, vivi ainda uma última ilusão, uma última ciranda de todos nós, mãos a mãos, e vivi o Marco Zero de meu Recife tombar diante daquela canção, vivi o mar se levantar, no mar, ô no mar, vivi os paralelepípedos a dançar e vivi, se vivi, Deus fantasiado de Diabo a pecar. Saudosa quarta-feira, faz-nos todos e todas anjos sem asas, faz-nos todos e todas anormais, faz-nos por fim esperançosos pois voltarás, e antes de voltares, quarta-feira ingênua, seremos felizes outra vez em tua ausência. Cinza quarta-feira, beijo-te a boca, tu que és indesejada, beijo-te a boca, que tua boca é a lágrima de cada folião. Dou-te, quarta-feira, esse meu amor e toda a minha paixão, pois me rasgas, quarta-feira, de minha’lma a vermelhidão.

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