Monday, August 13, 2007

 

Caro moreno,

Escrevo para falar do não dito. Da beleza do nosso silêncio que comunica mais do que o que falsamente nos dizemos. O nosso cúmplice silêncio. Que nos faz companheiros.

Eu bem que podia te contar do sol que morre por trás das casas de minha cidade. Do pôr-do-sol de minha janela. Do rio que cintila às 17 horas da tarde. Do jogar meus longínquos pensamentos em suas águas. Da rua que morarei. Do sol que queima a pele ao meio-dia. Do andar extasiada por velhas ruas cheias de novas vidas. Do vento forte no cais do porto. Das músicas, danças, os ritmos daqui. Podia até ensinar-te antigas loas, toadas, canções. Balançar teu corpo, cirandar. Do nascer da lua à beira-mar. Do estar à beira. Do andar no meio-fio. Do correr. Da navalha.

Ou então, poderia pôr em palavras o que sinto. Mas há coisas que não se explicam. Inútil seria tentar descrevê-las. Sentimento é bicho arredio. Criado no mato. Desconfiado. Bicho de instante. Aparece grande, forte, másculo. Indomável.

Desculpar-me-ia por tentar conter o não contido. Pela distância do olhar. Pela vagueza dos gestos. Por meu pisar-em-ovos. Os telefonemas noturnos não discados. As linhas não escritas. Não tem linhas minha palma. Faço-me, refaço-me. Reflexivamente. Pelas mãos não entrelaçadas. Se pudesse...

Não o faço. Não te escrevo mais uma carta não enviada. Destas cartas meu quarto e meu coração estão cheios. Cansei das nossas tortas linhas. Nossas entrelinhas. Entrelaços. Nossos anéis.

Antes, te escrevo uma prece. Oração de quem já não quer desencontros. De quem já não quer concisão. Não deseja mal-entendidos. De quem deixou os problemas esperando e não atendeu a porta. Uma prece de quem ama e já não teme.

Então, moreno, escuta esta oração. Recebe o meu beijo pensado. Enviado a quem vive distante.

Sentimento é encanto. Trisca o mágico. O brilho. Escorre das mãos. Tal qual arco-íris, abre-se em sorrisos. E se menina dos olhos não se anima a brilhar feito criança. Já não é. Fenece. Ilusão.

Afeição é não-matéria. Paira no ar. Intocável, acolhedora. Não tem peso, não tem medida. Faz pouco caso da etiqueta. Antes, revolta-se. Afeto é filho rebelde. Se cria solto no mundo. Joga-se ao vento. Arrisca.

Amor é menino novo. Encantado. A descoberta do mundo. Leve. Matreiro. Corre, salta, sobe em árvore. Corajoso. Sabe-se jovem e vigoroso. Recupera-se. Desperta tal o dia que se abre após a chuva forte. Intenso. Renovado. Amor é Deus-brincante.

Sempre nos reze, nos guarde, nos ilumine, governe.
Amém!


“Espere por mim, morena
Espere que eu chego já
O amor por você, morena
Faz a saudade me apressar“
Gonzaguinha

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